quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Fisiologia Demagógica



Um espinho feriu-me
Despertando sensações,
De Descartes, Freud ou Hume
Brotaram-me Meditações...

Um perfume de aniz
Tocando de leve o nariz,
Levou-me à Gênese Perfeita
Na bela versão de Leibniz...

Assim meio indagativa
A especular emoção,
Percebi-me sem querer
Muito amiga de Platão...

Preferi a Aristotélica
Poética Phronesis...
Bela Democracia...
Quase romântica...

Triste, constato, porém,
O que na prática, declino,
Em plenários logo além...
Política rima com titica...

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Anestesia




Ah! A dor!
Dor de dizer-se,
Sem comprometer-se...

O medo latente, lúcido,
Esfera, que forma e se conforma,
Flutuante sobre a lama...

Ah! A dor!
De não falar do que se ama,
De não se chamar do que se chama...

Os dedos dormentes,
Os sonhos recorrentes,
Os desejos veementes...

Ah! A dor!
Único lampejo,
A fugir do remorso...

Da fama não vinda,
Da reprimida vida
E da grana já finda...

Ah! A dor!
Que rima sofrivelmente,
Com flor e amor...

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Sonseira


Fala meu coração
Se é mentira ou se é verdade
"tanto horror perante os céus..."
Mais vale uma verdade
Que milhares de ilusões...

Por mais que doa, amigo...
Torna-me uma contigo...
Não me deixa escapulir
Quando um sonho alvissareiro
Tirar-me do travesseiro
Ao prometer doce porvir...

Que me tomes bem à parte
Segredes com tua arte
O que vale a pena viver...
Que eu seja como avezinha
Recém nascida, no ninho
Cuida-me com tua mezinha
Consola-me com  teu carinho...

Depois de sarada a mágoa...
Caleja-me, e me consagra,
A ser sempre muito esquiva...
Mais vale uma mosca morta,
Que uma grande chaga viva...

Telefone


Nesta dor molhada e só
Desejei o som daquela voz
E me vi de novo
Abandonando os próprios pólos.

Desejei palavras doces
Senti fome de sorrisos
Cai numa realidade torpe
Desconfiada de mim mesma.

Até onde pode chegar alguém que ama?
Até onde arriscar a confiança
De esperar uma simples promessa que se cumpra
Até quando alimentar a chama?

E esta fome que brota
O que fazer com ela
Não se sacia, não se mata
Repleta de um vazio tão pleno.

E esta dor que não tem nome?
Que fabrica lágrimas ácidas
Que descem corroendo a alma?

E esta vergonha encardida
De não ser mais a menina
Nem chegar a ser mulher?
Ficar neste meio termo
Escondida, encolhida, doída...

Não teve afinal o sorvete
Nem tocou o telefone
Tudo que queria afinal
Era alguém chamar seu nome.

Doce esperança de criança
Que aprendeu mais uma vez
A perder a confiança
Não investir em fiança
Nem esperar por herança
Os carinhos que já deu...

Bate de novo na porta
A amiga semimorta
Implorando um beijo meu.
O coração  eu lhe abro,
com serenidade, atitude
Te acolho pra mim, solitude...

Suspiro...



Uma dor tão densa, tão muda
Nem sei se devia ter falado
Mas julguei a emoção profunda
E consegui expor meu fado...


Como as palavras faladas,
Nem sempre vêm...
E quando chegam, às vezes...
São tão veladas...


Fiquei na dúvida
Entre expor meu pranto...
Entre falar...
Ou permanecer...
Calada...


Cedendo aos encantos do verbo
Abri-me a critérios gramáticos...
Juntei substantivo, preposição,
Conteúdos dogmáticos, advérbios,
Sem esquecer a conjugação...


Ledo engano, doce mentira
Em vão escutaram meu lamento
Que não soou como tormento,
Mas como exagero de rotina...


Como pode alguém dizer-te te amo,
Depois de anos de estágio em plágio,
Ser perceber-se em engano, ou,
De um vírus um simples contágio...


Acho que se enganou,
Misturando todas as coisas
Não é assim que acontece
“O amor ágape da lousa”.


Na aula de filosofia
Tudo parecia mais simples
Tinha etapas bem distintas:
O tal do amor preclaro
A paixão, Eros, Ágape...


Tudo respeitando etapas
Nenhuma cor invadindo a outra
Num céu sereno e claro
Um arco-íris de sonho
Um sol de Ícaro pensado...


Mas a realidade transcende
E brota como cristal mesclado
Onde o carvão se encontra virgem
Dentro do diamante mais caro...


Por mais que se queira dela desviar,
O que está posto se impõe.
A natureza não se dispõe a negociar...
Apenas sugere ser ouvida,
Pra não romper com a vida...

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Ode baudelaireana a uma amiga querida

Ah! A eloquência dos fatos!
Tudo que parece sugerir uma realidade
precisa inevitavelmente da imprescindível eloquência dos fatos.
Como humanos que somos nos expomos a vários conceitos,
experiências, relacionamentos e sensações,
mas nada pode ser dado como destinado a nós,
sem antes receber o endosso, o emblema,
a marca indelével e sacramental da eloquência factual.
Os sonhos sussurram, as imagens falam mais que mil palavras,
as palavras vociferam,
mas os fatos, simplesmente são,
e calados, impõe seu ser...
Hoje fui atropelada por um fato,
a princípio rodeou-me, cercou-me,
chegou a flertar comigo; como estes carros
que ficam girando ao redor da mesma quadra
em busca da pessoa amada. Senti-me interpelada,
importante, até querida, mas,
depois a cruel realidade nua e crua
fez-se presente com toda a força de sua essência.
Nenhum argumento a ser feito, nenhuma palavra a ser pronunciada...
Simplesmente a constatação sólida
e densa do irremediável, do determinado,
do destinado, do prescrito,
sem oportunidade de proscrição...
Cada criatura traz em si sua carga de determinação,
e a algumas está destinada irremediavelmente a solidão.
Companheira às vezes doce,
de intermináveis tertúlias ao entardecer.
Pedra pontuda ferindo muitas vezes os pés desavisados.
Chão fecundo, destilando prosa e poesia em noites insones...
Ah! A solidão, querida companheira tantas vezes desprezada,
por quem, por certo, não a teve, como única confidente,
sempre discreta, inofensiva,
ouvinte secreta de lágrimas contidas
e discursos jamais pronunciados...
Também os mesmos fatos, sugerem soluções,
e por si só acomodam pessoas e relações,
até que tudo esteja harmoniosamente em seu lugar.
Hoje fui atropelada pelos fatos,
porque um fato nunca vem sozinho,
traz consigo toda a casta possível
de argumentos inegociáveis.
Feridas pensadas, pensada realidade...
Tudo se faz luz, e a luz é remédio
para todos os males e princípio de toda a vida.
Minha gênese de Fênix se torna presente.
Broto novamente das cinzas de mim mesma.
Nasci para renascer e provar continuamente
o sabor da alegria que pode vir após a dor,
da vida que brota das cinzas da morte.
Nasci para sorrir. Este é meu retro-alimento...
A vida que brota da morte...
Constato que de nada me vale copiar
gestos e motivações alheios, pois que,
na hora de encarar os fatos, estou só diante deles
e ninguém pode enfrentá-los por mim.
Declaro diante de mim mesma,
minha completa autonomia
com relação aos modelos de vida vigentes
e decreto minha total, completa
e irrestrita amizade pela minha querida
e antiga amiga Solidão, por tempos abandonada,
mas agora acolhida com fervor e fidelidade,
para sempre...


 ( Crônica publicada em 2011, pela Editora Alternativa,
 como parte integrante do livro "Joaquim Moncks e Amigos", Homenagem da União Brasileira de Escritores ao
poeta que empresta o nome à coletânea.)