quarta-feira, 1 de junho de 2011

Ode baudelaireana a uma amiga querida

Ah! A eloquência dos fatos!
Tudo que parece sugerir uma realidade
precisa inevitavelmente da imprescindível eloquência dos fatos.
Como humanos que somos nos expomos a vários conceitos,
experiências, relacionamentos e sensações,
mas nada pode ser dado como destinado a nós,
sem antes receber o endosso, o emblema,
a marca indelével e sacramental da eloquência factual.
Os sonhos sussurram, as imagens falam mais que mil palavras,
as palavras vociferam,
mas os fatos, simplesmente são,
e calados, impõe seu ser...
Hoje fui atropelada por um fato,
a princípio rodeou-me, cercou-me,
chegou a flertar comigo; como estes carros
que ficam girando ao redor da mesma quadra
em busca da pessoa amada. Senti-me interpelada,
importante, até querida, mas,
depois a cruel realidade nua e crua
fez-se presente com toda a força de sua essência.
Nenhum argumento a ser feito, nenhuma palavra a ser pronunciada...
Simplesmente a constatação sólida
e densa do irremediável, do determinado,
do destinado, do prescrito,
sem oportunidade de proscrição...
Cada criatura traz em si sua carga de determinação,
e a algumas está destinada irremediavelmente a solidão.
Companheira às vezes doce,
de intermináveis tertúlias ao entardecer.
Pedra pontuda ferindo muitas vezes os pés desavisados.
Chão fecundo, destilando prosa e poesia em noites insones...
Ah! A solidão, querida companheira tantas vezes desprezada,
por quem, por certo, não a teve, como única confidente,
sempre discreta, inofensiva,
ouvinte secreta de lágrimas contidas
e discursos jamais pronunciados...
Também os mesmos fatos, sugerem soluções,
e por si só acomodam pessoas e relações,
até que tudo esteja harmoniosamente em seu lugar.
Hoje fui atropelada pelos fatos,
porque um fato nunca vem sozinho,
traz consigo toda a casta possível
de argumentos inegociáveis.
Feridas pensadas, pensada realidade...
Tudo se faz luz, e a luz é remédio
para todos os males e princípio de toda a vida.
Minha gênese de Fênix se torna presente.
Broto novamente das cinzas de mim mesma.
Nasci para renascer e provar continuamente
o sabor da alegria que pode vir após a dor,
da vida que brota das cinzas da morte.
Nasci para sorrir. Este é meu retro-alimento...
A vida que brota da morte...
Constato que de nada me vale copiar
gestos e motivações alheios, pois que,
na hora de encarar os fatos, estou só diante deles
e ninguém pode enfrentá-los por mim.
Declaro diante de mim mesma,
minha completa autonomia
com relação aos modelos de vida vigentes
e decreto minha total, completa
e irrestrita amizade pela minha querida
e antiga amiga Solidão, por tempos abandonada,
mas agora acolhida com fervor e fidelidade,
para sempre...


 ( Crônica publicada em 2011, pela Editora Alternativa,
 como parte integrante do livro "Joaquim Moncks e Amigos", Homenagem da União Brasileira de Escritores ao
poeta que empresta o nome à coletânea.)

Nenhum comentário:

Postar um comentário